quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

No século 21, a moda pode ser copiada, criada, customizada ou resgatada. Época em que não há o “certo” nem o “errado”.


A Juventude como Criadora e Disseminadora de Tendências de Consumo
Uma Perspectiva Antropológica.
Dado que a partir da segunda metade do século XX a juventude como conceito tornou-se o topo da pirâmide da moda e o universo simbólico juvenil da rua tornou-se base para o processo de criação e comercialização da roupa, a mudança na estruturação interna dos grupos juvenis ocorrida na última década do século XX merece aqui ser abordada para a compreensão das mudanças nos códigos de moda e de diversas categorias de consumo nos dias de hoje.
É necessário conhecer o valor simbólico dos signos estéticos usados como código de indumentária, de estilo e de comportamento pela juventude, para se compreender porque estes convertem-se em novos padrões de moda e consumo.
A moda, aqui entendida como um sistema de produção e produção de tendências que orienta a produção e consumo de uma infinita categoria de bens, entre elas o vestuário, “colou” na juventude e é no bojo das reformulações operadas por esta que o conceito de moda e as perspectivas de consumo se recriam constantemente. Imaginemos o movimento punk sem a composição indumentária que marcou o estilo , as calças rasgadas, braceletes com rebites, a costomização (o do it yourself) nas roupas… Agora imaginemos os anos 80 sem os cabelos repicados e armados com gel, os acessórios em couro e rebites, a maquiagem pesada e as tatuagens em ascensão. Fica evidente o encadeamento dos eventos culturais promovidos por grupos juvenis a e geração de padrões de moda adotados consensualmente.
Se não fosse Vivienne Westwood, talvez não existisse o punk, nem Londres seria a capital mundial dos grupos de estilo. Todavia, é necessário ressaltar que, se uma subcultura juvenil agregadora de significados como o punk, produtora de ideologia, consumo; união entre jovens revolucionou modos de ser, pensar e fazer nos anos 70/80, (orientando entre tantas instâncias, a moda), no fim do segundo milênio, é a disjunção de estruturas de significados, a desterritorialização de universos simbólicos e ideológicos e a randômica mutação de modus vivendi que caracterizam os grupos juvenis, a sua produção cultural e a influência que esta exerce sobre a sociedade contemporânea.
É impossível imaginar o que seriam as subculturas juvenis dos anos 60/70/80, se lhes fosse extraído o elemento “denominador comum”. A homologia que produz identidade, comunhão e diferenciação tem seu poder na adoção de mitos e ritos compartilhados em comum. “Ser” membro de uma subcultura juvenil encontrava sua força na dicotomia, oposição, dualidade em “não-ser” o outro, não ser o membro de uma tribo rival (punks “não eram” góticos), “não-ser” parte do lugar comum, não ser capitalista, ou católico, negar o outro para a afirmação do si.
Definição, territorialidade e oposição eram elementos estruturais que caracterizavam subculturas juvenis. A centralização de poder e convergência de interesses, associada à diferenciação eram sinais de estruturação de uma subcultura, o compromisso com uma determinada ética e estética era fundamental para “radicalizar” no sentido de manter-se fiel às doutrinas do grupo era palavra de ordem para cada grupo possuía uma identidade definida em relação à outra. A homogeneidade traduzia a idéia de subcultura da metrópole: um fragmento cuja identidade e sistema de códigos era claramente definida.
Nos dias de hoje, a idéia de subcultura cedeu lugar ao que o antropólogo Massimo Canevacci conceitua como cultura eXtrema, onde a noção de identidade é substituída pela concepção de “multividualidade”: o indivíduo múltiplo que participa de uma pluralidade de grupos, que experimenta diversas formas de ser e pensar, que transita pela desterritorialidade urbana, da experiência na web à vivência nômade da rua.

A partir desta nova pluralidade de modos de ser e viver, a juventude antes tribo, subcultura, hoje é policultura desterritorializada, os grupos que antes se utilizavam de signos estéticos específicos, consensualmente adotados para marcar sua identidade e demarcar território, hoje transitam por um universo de signos e significados mutantes.

A identidade consolidada torna-se fluida, uma multividualidade descentralizada. É nesse descentramento de estruturas de poder inerentes aos grupos juvenis que o conceito de subcultura se desmaterializa e a idéia de grupos de estilo juvenis assume novas configurações, o que era compacto e homogêneo, torna-se fluido e poli-identitário.
Segundo Canevacci, o conceito de cultura eXtrema, é baseado na idéia de cultura “exterminada”, jogando com a etimologia da palavra, o antropólogo identifica uma cultura juvenil que não se termina, que não tem fim, não tem limite, é uma condição juvenil e produção cultural comunicativa que não são termináveis
O conceito de identidade juvenil, para o autor, é substituído pela idéia de entidade, alteridade ou avatar: sujeito mutante, mutóide, fluido, que transita entre o Eu e o Outro, que se faz objeto dos produtos que adota, que deseja tornar-se signo e que assume a metrópole como condição de existência e, cuja vivência nômade, desterritorializada encontra-se traduzida na vivência da web.
Tanto a contracultura surgida nos anos 60, quanto as subculturas ou tribos estruturavam-se a partir da relação com uma dada cultura dominante – a cultura burguesa. A idéia de hegemonia produzia movimentos de oposição, onde manifestações culturais eram agregadas em grupos diferenciados e/ou contrários às estruturas de poder dominantes.
A dissolução de categorias hegemônicas de poder que atravessa os anos 90 desarticula tal relação de confronto entre cultura dominante/cultura juvenil. Não podemos então pensar em pólos opostos, mas em estruturas de poder que competem continuamente, que transitam pela “desterritorialidade” da metrópole de forma fluida, mutante, em permanente movimento. Os movimentos efetuados no espaço imaterial das culturas juvenis atuais não obedecem mais à linearidade da oposição ou contrariedade em favor de algo, mas podem ser vistos como movimentos randômicos de uma metrópole cada vez mais caleidoscópica.
Não existe mais a idéia de subcultura como uma classe menor interna e a relacionar-se estaticamente com uma classe maior, pois a própria noção de classe (cultura) maior, é obsoleta. Multiculturalidade, descentralização de poder, heterogeneidade e competição entre núcleos rivais é a condição da cultura (latto sensu) na sociedade pós-moderna.
A concepção antropológica de subcultura, é baseada no intuito de delimitar, definir e categorizar um grupo interior a um grupo maior (ou à totalidade), a identidade é caracterizada por processos de diferenciação e individuação. A subcultura constitui portanto, um fragmento estruturado internamente, da cultura, sendo, a identidade, seu ponto de referência.
Outrora a antropologia encontrava seu ponto forte na definição e defesa da identidade, onde quanto maior a homologia, homogeneidade das estruturas, modus vivendi, características de um grupo, etnia, maior a consolidação deste grupo. Como ressalta Canevacci, na atualidade as novas correntes antropológicas devem se ater aos movimentos de fragmentação, parcialidade, desunificação e consagração da diferença.
De acordo coma a orientação científica deste trabalho, da antropologia crítica ou pós-moderna, a idéia de síntese, objetividade, identidade e generalidade, cede espaço à experimentação da subjetividade e consagração da diferença. Esta escolha metodológica serve ao propósito de analisar a cultura não mais como estrutura/sub-estrutura, mas como um todo heterogêneo de dimensões que se atravessam continuamente.
Segundo Canevacci, o sucesso anglo-saxão do termo subcultura se deve a uma leitura de Gramsci que constitui um marxismo sensível à relativa autonomia da cultura, que dizia respeito à ortodoxia, que proclamava a centralidade da estrutura sobre a sub-estrutura, esta, caracterizada como secundária, derivada. Como exemplo, um hacker desloca-se através e contra qualquer distinção política nacional, social ou territorial, desta feita, a idéia de subcultura como categoria do grupo, é inadequada.
Associada à noção de subcultura (que pode ter conotação sexual, étnica, religiosa, artística, entre outros), o conceito de juventude é aqui explorado como centro de referência para o objeto estudado – a moda em sua dimensão comunicacional e cultural na sociedade urbana contemporânea.
Se as culturas juvenis são fonte de referência para o desenvolvimento da moda na sociedade pós-industrial, é preciso indagar o que se concebe por juventude, juvenil, jovem nos dias de hoje. A definição etária para o conceito de juventude é hoje obsoleta, para além da dimensão cronológica, juventude hoje é um estado das coisas, dos indivíduos, do próprio consumo. Conforme Canevacci, o conceito de juventude se dilata, “os jovens são eXterminados”, não no sentido de que são eliminados, mas ao contrário: no senso de que a juventude não se termina, não é mais uma “passagem”, mas uma condição que se extende dissolvendo barreiras tanto sociológicas quanto biológicas.
A juventude assume a metrópole como condição de vida e é incorporando a metrópole, a rua, categoria aqui utilizada para definir a sociedade urbana contemporânea, que categorias como o nós social são dissolvidas. Um processo desagregador e disjuntivo, que ocorre a partir dos anos 80 no universo juvenil amplia a idéia de juventude que se infiltra nos processos de produção, consumo e comunicação da metrópole. Como exemplo, os enfants térribles da Alta Costura, John Galliano e Jean Paul Gaultier já passaram dos 40 anos…
Se outrora o adulto enquanto categoria social produzia e o jovem, alheio à produção e mercado apenas consumia, hoje, é dominando instâncias como a tecnologia, além de processos e sistemas comunicacionais que o jovem é parte fundamental do processo de produção.
A idéia de juventude se expande, concebendo, ao invés de subculturas, “multiculturas” fluidas, mutantes, randômicas, em movimento constante e sem delimitações visíveis, ao que Canevacci associa, no lugar do termo indivíduo, o conceito de entidade, dado à imaterialidade dos territórios, dos processos e dos sistemas por onde transita o indivíduo (entidade) hoje.
Uma das razões preponderantes para a expansão da cultura juvenil como imagem da metrópole, é o domínio exercido pelos jovens sobre as inovações tecnológicas. A experiência da rua hoje, se espelha na experiência da web, com uma gama interminável de informações assimiladas ao click do mouse, uma transição constante de cenários, diálogos, relações e trocas flutuantes, virtuais, mutantes, infinitas, indelimitáveis.
A arquitetura de informação que compõe a web, passa a influenciar o modus vivendi e a relação juvenil na rua, não que a internet seja assumida como sistema principal de comunicação, mas a velocidade, aglomeração e sistema de transmissão de códigos na urbe assumem características cada vez mais parecidas com a vivência de web.
A despeito da teoria de Baudrillard onde as relações entre as pessoas se realizam através das relações entre os objetos, na era atual, podemos dizer que relações intra-pessoais se realizam através de relações entre máquinas, e os sistemas, codificações e processos comunicacionais destas relações se estendem para a vivência urbana.
Para se entender a complexidade do que são os grupos juvenis que vivem e constituem a rua, é necessário percebermos que a vivência juvenil urbana, ao contrário das décadas anteriores, não compreende mais o elemento síntese, ela é desagregadora e disjuntiva, fluida e mutante, desta feita, a explanação de Canevacci – juventude mutóide estudada a partir de conceitos fluidos apresenta relevante coerência
A atual juventude, representada no que outrora eram as subculturas juvenis não é por acaso modelo de referência para a criação da moda das últimas décadas. O romantismo-rebelde-juvenil, chave para a compreensão do conceito de juventude, aparece como a grande geração de tendências, modelos, modos de ser, pensar e mesmo consumir na sociedade moderna.
A idéia de extremo, claramente associada ao conceito de romantismo, move a vivência juvenil urbana rumo ao novo, ao inusitado, ao transgressor. Segundo Corrêa, a juventude dos anos 70 assume a ruptura como padrão, todavia, a juventude extrema dos dias atuais, flutua entre extremos, do novo ao retrô, do autêntico ao clichê. Sem compromissos ideológicos, sem visar o poder, mas como potência, ela descentraliza o poder onde o encontra e, conforme Canevacci, assume a poética em lugar do poder.
“Delimito il campo della culture extreme giovanilli a quelle que si muovono disordinatamente tra gli spazi comunicativi metropolitani e scelgono di innovare confflitualmente i codici. Di smuovere i significante statici. Da produrre significati alterati. Da liberare segni fluidi daí simboli solidi. É questo flusso che, per differenziarlo da um genérico uso de estremo (sport-sesso-politica-arte) chiamo eXtremo.” (Canevacci, 1999:50)
A apropriação da tecnologia de ponta pela juventude altera a noção de Eu/Outro, corpo/mente, humanidade/cibernética. O conceito de entidade de Canevacci traduz a experiência juvenil na rua hoje. O sujeito indefinido que, de forma fluida transita entre papéis sociais, não busca, como na era das subculturas, a identidade, mas sim, a diferença. Neste trânsito, o ethos não é definido e, antropologicamente, são as zonas in between que se tornam representações das culturas juvenis.
A corporalidade se altera, o estatuto do corpo se renova. O conceito de mindfull body expressa essa renovação, significa o corpo cheio de mentes que deixa de ser objeto da mente e a incorpora, tornando-se para-material, sujeito de experiências, semi-autônomo, ao invés de matéria-prima para representação de ideologias (como na subcultura punk ou skinhead) a sensorialidade corpórea contém mentes que experimentam a vivência na urbe.
O corpo torna-se máquina, torna-se arte, torna-se multiplicidade sexual e cultural. É nesse novo estatuto do corpo que a moda, caminhando paralelamente à cultura juvenil eXtrema, assume uma intensa, marcante representatividade na sociedade contemporânea.

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