quinta-feira, 30 de junho de 2011

Fé e Razão no pensamento de Kant


Kant, com sua publicação da Critica da razão pura, demonstra explicitamente que a razão pura não consegue atingir os objetos que ela (a razão) pretende na metafísica, sem cair nas famosas antinomias e que o conhecimento científico é conhecimento simplesmente do fenômeno e das leis necessárias que regem suas relações. A famosa frase kantiana “tive que limitar o conhecimento para abrir espaço para a fé” demonstra que são domínios diferentes, irredutíveis e incombináveis. No primeiro o “aparato cognitivo do sujeito”, com suas formas puras da intuição consegue fazer a síntese entre tempo e espaço com os conceitos a priori (categorias) e assim fundamentar a ciência do fenômeno. Com essa argumentação, Kant separa o domínio do conhecimento do domínio do puramente pensável.
Os objetos da fé são apenas pensáveis, não podemos conhecê-los através da razão pura, pois não são fenômenos e sim coisas em si. Desse modo a fé opera como sentimento, como revelação, mas nunca como razão, afinal, se a fé dependesse de demonstração racional, não haveria porque ser fé, e saber que algo existe é diferente de crer que algo existe. Saber é demonstrar, crer é um ato de confiança, de sentimento.
Temos muitos exemplos na história da filosofia na tentativa de conciliação entre fé e razão, porém, seria proveitoso ver como isso se dá na história na mesma medida em que seria impossível fazê-lo aqui, mas temos a convicção de que essas duas instâncias podem ser submetidas uma à outra, mas não combinadas, conciliadas. A razão não se contenta com o conhecimento do mundo empírico e quer conhecer o infinito, que se encontra conceituado na razão como idéia. As idéias da razão pura são redutíveis a três: a alma, o mundo e Deus.
A existência de Deus pode ser argumentada filosoficamente, porém, ser definida já é um problema que dificilmente poderá ter uma resposta positiva. Há quase 3000 anos que a questão da existência de Deus é suscitada sem previsões de acabar (claro que por parte dos filósofos ateus essa questão é um falso problema). Desde a Grécia clássica essa questão foi colocada aos filósofos, mas nunca como um problema realmente sério. Platão, Aristóteles, os estóicos, os sofistas, Sócrates e muitos outros nunca duvidaram da existência dos deuses, porém, Protágoras, o grande sofista, afirmava que qualquer suposição acerca dos deuses era errada, alegando que seu conhecimento era impossível. Uma primeira análise permite reduzir todas as provas possíveis a três: a prova ontológica, a cosmológica e a físico-teológica.
Apenas com Kant é que a natureza do erro desse argumento é apresentada. Para Kant, a existência não é algo que podemos predicar, e nem definir. A existência tem um sentido muito claro no campo do conhecimento possível. A existência é uma categoria formal, como a causalidade. Podemos apenas aplicar essas categorias às percepções sensíveis. Para afirmar que algo existe, possuir a simples idéia de algo não garante a existência, pois as coisas não existem por definição. É necessário obter a percepção sensível correspondente. Ora, não podemos ter a percepção sensível correspondente de Deus, pois Deus não é um fenômeno, não se apresenta aos meus sentidos. Kant então encontra a natureza do erro do argumento ontológico e impossibilita a existência de Deus como mera definição ideal.
Com essa exposição, concluiu-se, demonstrando então que fé e razão colidem-se sempre e isso é inevitável, pois a razão sempre exigirá demonstração, seja empírica, seja lógica , e a fé possui a virtude de não exigir tal demonstração, senão acaba perdendo seu estatuto de fé. Essas duas instancias pretendem dizer coisas diferentes sobre o mundo e as coisas, e cada uma, a seu modo possuem defeitos e virtudes, contudo, qualquer um que se deixe pensar consequentemente pode aceitar as demonstrações da razão, mas apenas alguns aceitarão as proposições da fé.

REFERÊNCIAS:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. da 1ª versão brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi; revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti. 4ª edição, Martins Fontes: São Paulo, 2000.

CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução: Álvaro Cabral. Ed.: Jorge Zahar. Rio de
Janeiro, 2000. 353 p.

HUISMAN, Denis. Dicionário dos Filósofos. Martins Fontes: São Paulo, 2001.

KANT. I. Crítica da Razão Pura. 5ª Edição. Trad.: Manuela Pinto e Alexandre Morujão. Ed.: Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 2001, 680 p.

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Intro e trad: Raimundo vier. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes 2001.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo : Paulinas, 1990. 3v, il. (Filosofia).

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