quinta-feira, 30 de junho de 2011

LIBERDADE E MORALIDADE EM KANT


LIBERDADE E MORALIDADE EM KANT
Janeilson Carlos Damasceno*(graduando do curso de filosofia da universidade do estado do Rio Grande do Norte)


RESUMO:
Este artigo pretende apresentar de modo suncinto, alguns dos principais problemas da ética kantiana, a saber, como é possível a liberdade? A liberdade está submetida a alguma lei? Para Kant a ação moral só é possível se for por dever, isto é, obedecendo a lei na forma do imperativo categórico.
PALAVRAS-CHAVE: Liberdade. Dever. Imperativo categórico. Lei-moral. Heteronomia. Autonomia.



I-INTRODUÇÃO:

Este artigo pretende apresentar, de forma sucinta, uma pesquisa acerca dos conceitos de liberdade e moralidade apresentados por I. Kant, expressos na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, referentes ao estudo da ética. Diante do processo de explicação da liberdade queremos entender se ela esta submetida à lei moral, e a outros conceitos, tal como o de razão, vontade, imperativo categórico, etc. surge a necessidade de explicar como essa lei moral é possível, e como a liberdade esta submetida a ela?
Na vida, nos deparamos com situações constantes que nos faz refletir sobre as relações de liberdade e poder entre os sujeitos; e que nos causam inquietações diante desses acontecimentos cotidianos. Esses fragmentos de vida nos fazem pensar e refletir sobre o universo e a influência causada pelo peso da tradição cultural e da educação dos sujeitos enquanto agentes morais. Diante disso, surge a indagação: como é possível a liberdade, já que, mesmo querendo ou não estamos submetidos a tradição cultural e as normas estabelecidas pelos sujeitos da nossa sociedade?
Segundo Kant, “a liberdade tem de pressupor-se como a propriedade da vontade de todos os seres racionais”. A todo ser racional temos que atribui-lhe necessariamente a idéia de liberdade, sob a qual ele unicamente pode agir.
O ser verdadeiramente livre agirá sempre determinado por uma lei moral que se identificará com a própria liberdade do ser racional.
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II- LIBERADE E MORALIDADE:

Segundo Kant o homem enquanto ser puramente racional considera-se livre, enquanto ser fenomenal deve estar submetido à lei moral. A partir da lei moral nos consideramos livres, isto é, auto-legisladores. Um ser racional agiria sempre conforme a razão, o homem que pertence ao mundo sensível e ao mundo inteligível, tem que considerar-se como submetido a leis prescritivas da razão. A razão contem a idéia de liberdade e esta contem a lei do mundo inteligível. Logo, todo ser racional tem que conhecer as leis do mundo inteligível com imperativos e as ações deles decorrentes como deveres.

todo ser que não pode agir senão sob a idéia de liberdade é, por isso mesmo, verdadeiramente livre em sentido pratico, que dizer, valem para ele todas as leis que estão inseparavelmente unidas a liberdade, exatamente como se a sua vontade fosse definida como livre em si mesma e de modo valido na filosofia teórica. (Kant, 2003pg. 81)


Kant chama de liberdade a capacidade que um ser racional tem de agir de acordo com leis determinadas unicamente pela razão. Distinguindo assim dois usos de liberdade: um negativo, que incorpora a nossa capacidade de agir independentemente de quaisquer outras coisas para além da nossa própria vontade ou razão; outro positivo, que se refere ao poder causal da razão em se auto-determinar, nos permitindo agir autonomamente, apenas com base na nossa razão. A partir da visão da racionalidade humana como fim em si mesma, e da necessidade da concordância da vontade com a razão prática, Kant concebe a idéia de vontade de todo ser racional como vontade legisladora universal.

Segundo esse principio são rejeitadas todas as máximas que não possam subsistir juntamente com a própria legislação universal da vontade. A vontade não está, pois, simplesmente submetida à lei, mas sim submetida de tal maneira que tem de ser considerada também como legisladora ela mesma, e exatamente por isso e só então submetida à lei (de que ela se pode olhar como autora). (KANT, 2003 pg. 62)


A liberdade não é mais do que a mera subordinação a lei moral, e nunca é tão intensa como o é quando reconhecemos a necessidade da lei e a sua absoluta autoridade sobre as nossas ações enquanto agentes morais. Por exemplo, uma pessoa pode agir de acordo com a lei, motivada pelo medo ou na esperança de receber uma recompensa. Nestes casos, a sua ação não tem valor moral, pois depende de fatores que não pertencem a própria lei “ser livre é ser moralmente responsável. Vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma coisa. (Kant, 2003, pg. 80)”.
Agir por dever ou pela lei, é o único tipo de ação com valor moral. Uma vez que o que nos motiva a agir neste caso é em si a lei, e que surge do mero exercício da razão. Logo, ao agir por dever um agente racional expressa ao mesmo tempo aquilo a que Kant chama a autonomia da vontade. Assim, uma ação autônoma é determinada por mera reflexão racional, que é suficiente para determinar a ação. Deste modo, para Kant, o significado de agir autonomamente não é mais do que a nossa habilidade e responsabilidade para saber o que a moralidade requer de nós e a nossa determinação para não agir imoralmente.
A autonomia da vontade é, pois, a propriedade pela qual ela é para si mesma sua própria lei. O principio de autonomia indica “não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente no querer mesmo, como lei universal.(Kant, 2003, pg.70)” Em oposição a autonomia da vontade encontra-se a heteronomia da vontade.

quando a vontade busca a lei, que deve determiná-la, em qualquer outro ponto que não na aptidão de suas máximas para a sua própria legislação universal, quando, portanto, pensando alem de si mesma, busca essa lei na natureza de qualquer dos seus objetos, o resultado é sempre a heteronomia. (Kant, 2003, pg.71)

Um agente que age em heteronomia não age segundo os mandamentos da razão, mas, por exemplo, age por medo ou por amor ou na esperança de obter uma recompensa. Aquele que age em heteronomia age segundo preceitos práticos e a sua ação é destituída de valor moral. Kant avalia que todos os princípios da heteronomia, sejam empíricos ou racionais, mascaram o problema da liberdade da vontade e da moralidade autêntica dos próprios atos. E que a autonomia da vontade é o único principio de todas as leis morais e dos deveres. Em contrapartida, toda heteronomia da escolha não fundamenta nenhuma obrigação e se opõe ao principio do dever e a moralidade da vontade.
A heteronomia surge sempre quando a lei que determina a vontade não possuir sua máxima de acordo com a legislação universal. A vontade deixa de ser ela mesma sua própria legisladora, e é guiada por leis que se originam na relação entre ela e seus objetos. A autonomia da vontade será explicada pelo conceito de liberdade, sem o qual é impossível embasar a moralidade na vontade.
As máximas de uma ação heterônima, ao contrario das da ação autônoma, tem um caráter contingente. Estas são máximas materiais obtidas pela experiência: determinam os meios para se chegar aos fins desejados. E é porque servem os desejos, e não a razão, que são heterônimas e destituídas de valor moral. Elas motivam a agir apenas de modo condicional e subjetivo; só agimos segundo estas máximas se temos desejos que elas ajudam a satisfazer, caso contrario podemos ignorá-las, estas são preceitos práticos ou imperativos hipotéticos.
Uma vez que os preceitos práticos ou imperativos hipotéticos não determinam a vontade simplesmente como vontade, não são leis. As leis originam-se no raciocínio puro prático e aquilo que as caracteriza é a sua forma. Estas leis são regras que estabelecem pela sua forma o que é agir racional e moralmente e, conseqüentemente, objetivamente. A isso Kant chama lei da liberdade ou da autonomia.

Tempos que pressupô-la (moralidade a idéia da liberdade) se quisermos pensar um ser como racional e consciente de sua causalidade a respeito das ações, isto é, dotado de uma vontade, e assim achamos que exatamente pela mesma razão, temos de atribuir a todo ser dotada de razão e vontade essa propriedade de se determinar a agir sob a idéia de sua liberdade. (KANT, 2003, pg. 81 a 82)


O homem, criatura racional e corpórea, habitará dois mundos, o sensível e o inteligível. O primeiro será determinado por leis naturais (heteronomia); enquanto o segundo será movido por leis, não empíricas, mas racionais. Neste mundo inteligível o homem será livre e dono de uma vontade verdadeiramente autônoma.

Como ser racional e, portanto, pertencente ao mundo inteligível, o homem não pode pensar nunca a causalidade da sua própria vontade se não sob a idéia da liberdade, pois que independência das causas determinantes do mundo sensível (independência que a razão tem sempre de atribuir-se) é liberdade. Ora, à idéia da liberdade está inseparavelmente ligado o conceito de autonomia, e a este o princípio universal da moralidade, o qual na idéia está na base de todas as ações de seres racionais como a lei natural está na base de todos os fenômenos. (KANT, 2003, pg 85)


É preciso que a idéia de liberdade possa ser atribuída a todos os seres racionais, já que a moralidade tem que valer como lei universal. A liberdade tem de ser pressuposta como propriedade da vontade de todo ser racional, e não basta, verificá-la por experiências da natureza humana; pois, todo ser que não pode agir senão sob a idéia da liberdade é verdadeiramente livre, exatamente como se a sua vontade fosse definida como livre em si mesma, pois do contrário ele não poderia, de modo algum, pensar-se como agente.

o uso prático da razão comum humana confirma a exatidão dessa dedução. Não há ninguém, mesmo o pior facínora, se está habituado a usar da razão, que não deseje, quando se lhe apresentam exemplos de retidão nas intenções, de perseverança na obediência a boas máximas, de compaixão e universal benevolência; que não deseje ter também esses bons sentimentos. (KANT, 2003, pg.87)


A razão vê a necessidade de impor regras á conduta humana, que se expressa pelo imperativo categórico. Eles mandam uma ação objetivamente, necessária por si mesma, sem relação de finalidade: uma ação boa em si mesma.
O imperativo categórico da a forma de legislação moral: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.(Kant, 2003, pg. 51)”
A liberdade se subdivide em interna e externa. A interna fundamenta a existência de leis internas, que criam deveres internos, na forma de imperativos categóricos. E é esta mesma liberdade interna que fundamenta a existência de leis exteriores, que tornam possível o convívio das liberdades individuais. A moral não é suficiente e a mesma liberdade que manda o homem agir conforme o dever interno e pelo dever interno, manda que sejam criadas leis externas para garanti-las. Quem age moralmente, age por dever, pois este dever advém da razão, lei universal. Agir por dever é agir racionalmente e exercitar a verdadeira liberdade, livre das inclinações externas do mundo sensível.
A liberdade externa pode ser explicada da seguinte forma: ninguém me pode constranger a ser feliz a sua maneira, mas a cada um é permitido buscar a sua própria felicidade pela via que lhe parecer boa, contanto que não cause dano a liberdade dos outros, segundo uma lei universal possível. Para que uma máxima da razão seja também uma lei moral é preciso que ela seja universalizável. Isso significa que a máxima deve poder ser reconhecida como legitima por qualquer ser racional, uma vez que o que caracteriza as leis é o fato de elas valerem incondicionalmente em qualquer lugar e para qualquer pessoa.
Kant explica assim que, liberdade não é agir independentemente do dever, mas, ao contrário, agir conforme e, sobretudo por dever. Liberdade não é o agir sem normas, ao contrario, liberdade implica a disposição de seguir as normas que o próprio sujeito moral se representa, tendo em vista apenas o respeito que devemos a essas normas ou leis morais a que estamos submetidos. Diante disto, ingada-se: em que situação a ação humana pode ser considerada livre? Se a ação humana é aquela que não sofre influência de uma força externa, ser livre é não se submeter a nada de externo a nós?


III- CONCLUSÃO:

Para Kant, portanto, são a mesma coisa liberdade e lei moral. Somente é livre o individuo que age segundo a lei moral. A vontade livre estará necessariamente orientada para o bem, que se concretiza no agir segundo as leis da liberdade: a vontade de agir conforme ela será perfeita. A virtude e a bondade moral da ação de um individuo serão obtidas na orientação constante do agir e do querer segundo normas de validez universal.
O primeiro passo para a determinação de um agir moralmente bom é uma vontade boa, e deve vir acompanhada pelo dever de se cumprir suas determinações. A sua lei geral, "desvelada" pela razão, impõe-se à vontade como um imperativo categórico, puramente formal, livre de todo dado empírico, o que coloca a vontade como independente em relação à matéria de qualquer máxima. As máximas da ação deverão satisfazer condições racionais, isto é, deverão poder ser englobadas pela lei geral do imperativo.
Esse dever, de agir somente por respeito à lei moral, é fruto da racionalidade do homem, o que nos permite deixar a condição de simples coisas e passarmos a sermos sujeitos, donos de uma vontade.
Se a função da razão que temos é transformar a vontade em vontade boa e, conseqüentemente autônoma, ou seja, livre, o homem tem como dever caminhar para o seu fim moral, obter a sua liberdade, submetendo-se às leis próprias da liberdade, porque "se a razão não quer se submeter à lei que ela se dá a si própria, tem de se curvar ao jugo das leis que um outro lhe dá; pois sem alguma lei nada, nem mesmo o maior absurdo, pode exercer-se por muito tempo."
A vontade autônoma é aquela que se submete à lei moral encontrada por ela mesma, lei que define sua liberdade. E é esse o dever que se impõe ao homem: ser livre.


IV- REFERÊNCIA BIBLIOGRAFIA:

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes E Outros Escritos. São Paulo: Matin Claret, 2003.
V- BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Intro e trad: Raimundo vier. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes 2001.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo : Paulinas, 1990. 3v, il. (Filosofia).
ROHDEN, Valério. Interesse da razão e liberdade. São Paulo: Ática, 1981.
SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e na igualdade. 2. ed. Belo Horizonte : UFMG, 1995.

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