sábado, 17 de julho de 2010

ser ou não ser?

O solilóquio de Hamlet
(Ato III, Cena 1)


Ser ou não ser; essa é toda a questão:
Se mais nobre é em mente suportar
Dardos e flechas de ultrajante sina
Ou tomar armas contra um mar de angústias
E firme, dar-lhes fim. Morrer: dormir;
Não mais; dizer que um sono porá fim
À dor do coração e aos mil embates
De que é herdeira a carne!... é um desenlace
A aspirar com fervor. Morrer, dormir;
Dormir, talvez sonhar: eis o dilema,
Pois no sono da morte quaisquer sonhos
- Ao nos livrarmos deste caos mortal -
A paz nos devem dar. Esta é a razão
De a vida longa ser calamidade,
Pois quem do mundo os males sofreria:
A injustiça, a opressão, a vã injúria,
O amor magoado, as delongas da lei,
O abuso do poder e a humilhação
Que do indigno o valoroso sofre,
Quando ele próprio a paz encontraria
Em seu punhal? Quem fardo arrastaria,
Grunhindo, suarento, em triste vida,
Senão porque o pavor do após-a-morte
- Ignota região de cujas linhas
Não se volta - a vontade nos confunde
E nos faz preferir males que temos
A buscar outros que desconhecemos?
Assim nos faz covardes a consciência,
E o natural fulgor da decisão
Sucumbe à débil luz da reflexão;
E assim projetos de vigor e urgência
Em vista disto seus cursos desviam
E perdem o nome de ação. Oh, cala-te!
A bela Ofélia! - Ninfa, em tuas preces
Lembrados sejam todos meus pecados.*

segunda-feira, 12 de julho de 2010

vandalismo é arte!!!


"(...) Vandalismo é uma violação intencional, a desfiguração de algo considerado valioso pelos outros. Mas sabemos, também, que pode ser uma forma de expressão. (...) Vandalismo é um tipo de parasitismo nascido na essência da civilização ocidental.
Em nossa cultura atual somos triturados, manipulados pela tecnologia e por interesses comerciais. Marketeiros de plantão colocam sentido no vestir de roupas, carros, móveis e até mesmo na comida nós escolhemos nossos significados através dos produtos, simultaneamente criando e erradicando nossa noção de nós mesmos. Somos projetos comerciais. Somos hospedeiros e a cultura da comodidade é o nosso parasita. Somos objetos vandalizados – tortos, deformados, cobertos de marcas que não podemos honestamente dizer que escolhemos por vontade própria. Sugados da comunidade e humanidade, somos levados a acreditar que dependemos do nosso parasita para nossa identidade. O que conhecemos como “vandalismo” é na verdade a rejeição da dependência do consumo. O vândalo mina o sentido comercial. A cultura do consumo cria um lodo sobre nós e é vulnerável em suas próprias raízes rasas. Ela teme toda a reflexão. Cidadãos vivendo dentro dela em estado permanente de evasão pessoal, evitando a contemplação pelo medo de confrontar a realidade da completa falta de sentido em que vivemos ou, pior, a desvantagem competitiva e exclusão social. Vandalismo é uma expressão dessa psicologia de fuga e a compreensão de que a existência se tornou uma atividade criminosa. Vandalismo é arte quando a arte não pode mais resgatar o sentido do absurdo esmagador das condições materiais atuais. Numa sociedade que valoriza o mito da total escolha, a escolha mais crucial se tornou criminosa: a habilidade de criar novos sentidos. O ponto onde o mito e a realidade se encontram é na intersecção da política e arte, na ameaça do vândalo, no agitador cultural, no anarquista."


Esse é um trecho de um texto publicado algum tempo atrás na revista Trip. É baseado em um ensaio filosófico de Andrew Stillman e publicado na revista Adbusters, na primavera de 2000. Esse ensaio trata do episódio ocorrido em 30 de novembro de 1999, quando dezenas de milhares de manifestantes fecharam a Organização Mundial do Comércio e criaram um estado de emergência na periferia de Seattle, EUA. Trata-se de uma ato contra o costume consumista. (Um bom texto sobre esse assunto você pode ler aqui).

O fato é que, o consumo precisa ser percebido como a contribuição de cada um de nós para a manutenção do sistema capitalista, opressor e excludente por essência. O consumismo desvia a atenção de assuntos mais relevantes - uma espécie de sublimação necrófila em que a pessoa renega a si para buscar, na posse de bens materiais, o sentido para sua vida. Enquanto as pessoas pensam em consumir, deixam de refletir sobre sua própria existência enquanto cidadãs e, principalmente, enquanto seres humanos.

Viagem minha? Romantismo? Talvez... O problema é que, enquanto isso, os donos do poder (entendendo-os como o fruto da simbiose entre as elites política e econômica) continuam se refestelando no estamento brasileiro.

arte: Otávio e Gustavo Pandolfo. Ou, simplesmente, OS GÊMEOS. Eles viajaram o mundo por conta das personagens que pintam pela cidade desde o fim da década de 80. Para os irmãos, o graffiti permite expressar sentimentos contraditórios da vida na metrópole.No bairro do Cambuci, região Central da cidade, muitos muros descascados e imóveis abandonados receberam estampas de estranhas figuras amarelas e cabeçudas, com corpos quadrados e membros finos. Elas se destacam entre outros trabalhos de grafiteiros com os quais convivem: são delicadas e parecem fazer parte de uma outra realidade.Desde que foram levados ao exterior para mostrar seus trabalhos na Alemanha, em 1999, osgemeos viajaram por diversos países da Europa e pelos Estados Unidos, expondo, criando e aprendendo. A primeira mostra individual dos gêmeos idênticos de 33 anos, no Brasil, aconteceu em 2006 na Galeria Fortes Vilaça, com o título de “O Peixe que Comia Estrelas Cadentes”.

domingo, 11 de julho de 2010

A origem da obra de arte


Aquele que chamamos o segundo Heiegger, talvez uma reflexão crítica do filósofo sobre si mesmo, continua preocupando-se com o ser. No entanto, na obra A origem da obra de arte não mais é o Dasein que se apresenta como porta de entrada para a descoberta do mesmo. Conforme o filósofo, é a linguagem que deverá nos conduzir à descoberta da Verdade. Neste sentido, toda a arte é poema, daí que são referenciadas a arte plástica, representada pela obra Os sapatos da camponesa, de van Gogh, os poemas de Hölderlin, um templo grego, representando a arquitetura, por exemplo.
Para se saber a origem da obra de arte, é necessário que se recorra ao artista, todavia, só sabemos algo sobre o artista, se inquirimos a obra que, por sua vez, só é uma obra porque resultou do trabalho do artista. Desta feita, somos obrigados a adentrar no círculo que, conforme Heidegger, é um risco que devem correr todos os que se ocupam do pensamento.
Inseridos no círculo, o caminho devemos percorrer. Heidegger conduz-nos, chamando, reforçando e excluindo todos os obstáculos. Assim, chegamos à conclusão de que uma obra de arte é aquela que é gerada no auge do conflito entre a Terra e o Mundo. A primeira, reconhecida como a doadora, aquela que se retrai e se oculta no seu silêncio. O Mundo, resultado da construção humana, é aquele que reclama da terra o proferimento de qualquer coisa que o conduza à compreensão daqueles que lhes deu vida e que, por sua vez, ele e a terra são seus geradores. Desta exigência, emerge a obra de arte, cuja única função é a de revelar a Verdade. Neste sentido, a Verdade não mais se encontra fora do mundo, num lugar inacessível ao homem, ao contrário, ela pode estar diante de nós, no aparente mutismo de uma obra de arte, esperando ser contemplada para que, enfim, possa se revelar.
Desta feita, é conferido ao artista o papel de guardião do ser. E à sua obra é atribuído o papel originário de detentora e reveladora da Verdade. A nós, homens comuns, é garantida a Revelação.